Empatia no mundo virtual, julgamento no real – 38 de 100

30/10/2020

Empatia no mundo virtual, julgamento no real – 38 de 100

Se o mundo tivesse a empatia das frases de efeito publicadas nas redes sociais viveríamos em um paraíso, porém, estamos…

Se o mundo tivesse a empatia das frases de efeito publicadas nas redes sociais viveríamos em um paraíso, porém, estamos muito longe disso.

Empatia no mundo virtual, julgamento no real

 

Um casal de jovens bonitos e bem vestidos parece feliz enquanto aguarda o embarque internacional brincando com o filho pequeno no saguão do aeroporto.

Ao ouvir a chamada para o voo, os três se dirigem ao corredor, mas a criança se desespera ao perceber que seu pai não os acompanhará na viagem.

 

O que começou com um choro compreensível foi aumentando à medida que o pai se distanciava.

O menino se vira contra a mãe com gritos, urros, tapas, socos e pontapés e, claro, todos param para assistir o ataque violento de uma criança tão pequena a uma mãe que parecia não ter a menor autoridade sobre ela.

 

“Foi só o pai virar as costas para o menino deitar e rolar pra cima da mãe… que tonta!”

“Quem não dá educação em casa passa vergonha na rua, filha…”

“Que horror! Nunca vi uma coisa dessas… que falta de pulso!”

“Se com esse tamanho já bate na mãe, imagina quando crescer!”

“Se fosse meu filho ia ver só uma coisa… Ah, se fosse meu filho!”

“Moça, faça essa criança parar. Não vê que está incomodando todo mundo?”

 

A mãe, de tão envergonhada, não havia percebido que estava toda arranhada, despenteada e com a roupa rasgada. Sua atenção estava em tentar conter a fúria repentina do filho – a qual nem ela compreendia – para que não machucasse os passageiros.

Mas é claro que as pessoas deixaram bem claro que sua imagem estava horrível, assim, ela poderia se sentir ainda pior.

 

Cansada, ofegante e toda machucada, ela olha para os lados e vê sua bolsa atirada longe.

Peço para alguém pegar para mim? Vou lá e largo o menino? Tento levá-lo comigo?

Ela simplesmente não sabia mais o que fazer.

Voltar para casa não era possível, pois a viagem era inadiável.

Além disso, o pai tinha um compromisso importantíssimo e ela não queria preocupá-lo ainda mais.

Uma mão pesada em seu ombro a traz de volta de seus pensamentos e ela vê um homem de uniforme: o comandante.

“Senhora, tenho três opções para esse problema.

Primeira: a senhora controla o seu filho e entra no avião de uma vez.

Segunda: desista da viagem e aguarde a devolução da sua bagagem.

Terceira: permita que nós façamos o embarque dele e possamos seguir com o voo que, aliás, já está atrasado por conta da senhora e do seu filho. O que a senhora quer?”

Ela escolhe a opção três e assiste, incrédula, vários homens amarrando seu filho a uma maca.

A criança se debate, grita, perde o ar, fica roxa, enquanto os passageiros assistem tudo com uma satisfação inacreditável.

“Agora sim, quero ver bater em mais alguém!”

“Vai garoto, força, grita agora!”

“Só está recebendo o que merece, quem sabe agora aprende?”

A mãe embarca em um voo de onze horas toda suja, rasgada, envergonhada e ouvindo todo tipo de insulto.

Sem levantar a cabeça, ela segue calada, caminhando ao lado de dois homens que carregam a maca com seu filho amarrado, que continua gritando sem parar.

Inesperadamente uma campainha do avião toca, o menino se acalma e dorme quase que de forma instantânea.

A mãe chora pelo filho, chora de vergonha, chora porque não sabe o que mais pode acontecer.

Ela pede para desamarrem o menino, mas “por precaução” ele fará a viagem toda assim, atitude apoiada por todos os passageiros que, aliás, demonstraram uma criatividade enorme para sugerir formas de como educar melhor o filho dos outros.

Essa é uma história verídica, de uma amiga que se julgava a pior mãe do mundo ao dar ouvidos à forma como a maioria das pessoas a rotulava.

A longa viagem da Europa para o Brasil era para uma bateria de exames a fim de diagnosticar por que seu filho não era igual às outras crianças.

Foi aqui em São Paulo, na ABADS, e de graça, que o menino foi diagnosticado com autismo.

Somente nesse momento, depois de anos de angústias e julgamentos, que a mãe percebeu que todos estavam errados, inclusive ela mesma.

Ela não era uma péssima mãe, seu filho não era um problema e as pessoas não tinham razão.

Eles precisavam de respostas, não de palpites. Precisavam da tal empatia que não veio.

Empatia é apenas uma palavra bonita que está na moda no mundo todo.

Mas, na vida real o que vale mesmo é o julgamento, o prazer de testemunhar os infortúnios dos outros e, sempre que possível, deixar claro o quanto as pessoas se acham superiores às demais.

Se os seres humanos pudessem usar apenas os verbos que efetivamente conjugam, empatia correria o risco de ser extinta do dicionário.

Que todos nós possamos falar menos e fazer mais.

(Texto originalmente publicado no R7)

Nos vemos amanhã!

 
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22 comentários

    Patricia,

    Como diz o Landro Karnal, somente na desgraça relatada as pessoas ficam sensíveis e são despertadas para a tal compaixão.
    Me entristeci, sim, imaginando o cenário do aeroporto, mas também penso: se a mãe já sabia do problema do filho, não teria sido possível evitar? Ou foi a primeira vez que ele deu o show?
    Não se tem o direito de julgar quem quer que seja, mas eu pergunto: o que é que poderia ter sido feito por terceiros que não sabiam do que se passava com aquela mãe.

    Vânia

      Ela não sabia que ele tinha autismo porque no país onde ela mora os médicos disseram que era má educação e que ele não tinha nenhum problema. Só aqui em SP ele foi de fato diagnosticado e hoje é um menino excelente, que fala 4 idiomas e vai muito bem na escola.
      Não foi o primeiro ataque de raiva, mas no aeroporto foi o primeiro. O que as pessoas poderiam ter feito, na minha opinião, era não terem ofendido a mãe como ofenderam. Não creio que haja como ajudar em uma situação assim, mas que não deixassem as coisas ainda piores.

    A filha de uma prima minha e surda e quando era criança a avó minha tia levava ela para escola especial e no onibus uma mulher gritou para o motorista que minha tia estava levando um cachorro por conta doa sons que ela fazia . Mesmo depois de anos as pessoas continuam sem respeito pelo próximo.

    Muitos de nós somos levados pelo impulso de julgar as dificuldades dos outros e dar opiniões sem entender as causas.Precisamos entender que simpatia não é sentir o que fazer no lugar do outro, mas minimamente sentir o que o outro sente.

    Boa tarde querida! Muito triste este fato! Hj em dia temos muitos casos de autismo, são várias síndromes com nomes difíceis até p falar, e as vezes julgamos sem saber do que se trata. Um grande abraço! ?

    Boa tarde, puxa, que guerra essa mãe passou. Problema é esse julgar e humilhar, fazer a pessoa se sentir uma inútil. Pra depois ver o erro e vir com aquela desculpa forçada. Que triste!

    Temos que nos vigiar para não julgarmos os que estão a nossa volta!!! Que desespero deve ter sido pra essa mãe! ótimo texto! nos faz refletir sobre como temos agido com o próximo.
    aliás, todos os textos estão sendo ótimos!!! leio todo dia

    Meu Deus, eu também tenho um sobrinho que tem autismo, mas eu não tive muito contato com ele
    enquanto pequeno, mas a mãe dele tratou dele e hoje ele tem 17 anos , e é um adolescente muito tranquilo até certo ponto, só não podem irritalo muito , se não ele perde as estribeiras. Ele estuda muito o espaço kķk, e a fundo do oceano.

    Infelizmente é uma situação atual de que as pessoas estão mais preocupadas em atirar pedras do que se colocar no lugar do outro e ver se pode até ajudar. Há uma pressa em julgar e às vezes não há nem informações suficientes para poder ter uma ideia do que a pessoa está passando. Neste caso foi o autismo, mas poderia não ser. A criança ainda não sabe controlar seus sentimentos e há crianças que se frustram e ainda estão aprendendo a lidar com tudo. Eu vejo em locais públicos as pessoas sem a mínima paciência ou empatia. Parece que nunca foi criança. Parece que nunca será idoso. Parece que nunca teve um dia mal. Parece que nunca errou. Eu não tenho autismo. Mas este texto me lembrou na minha infância um episódio. Eu era aquela criança quietinha, boazinha, e muito fechadinha. Em uma festa um menino bem maior pegou minha bola e ficou implicando comigo. E eu acho que ele estourou. Aquilo me gerou uma revolta tão grande que eu não sei como eu escalei ele, arranhei ele todo, rasguei a blusa dele e só lembro de ter soltado quando alguém apareceu com outra bolinha. E eu muito chorosa deixei alguém tirar minha mão do garoto e colocar minha mão na bola. Mas foi uma explosão que até hoje não sei de onde veio. E isso é possível pois a criança está em formação. Se adultos até hoje não sabem lidar com a frustração. Tem uns que vão para agressão e até matam. Temos que ir além da empatia. Temos que aprender O Que Jesus Faria naquela situação. O filme “Em seus passos, o que faria Jesus?” me fez refletir muito. Eu antes só me omitia. Ficava no meu canto em situações assim. Mas este filme nos mostra realmente a querer ajudar. Temos que ser o sal da terra.

    Excelente post. “Que todos nós possamos falar menos e fazer mais.”

    Boa reflexão! Ultimamente, tenho pensado muito a respeito do julgar, julgamos as pessoas a todo o momento. Porque julgamos tanto? Será que é para sentirmos superiores ao próximo? A palavra de Deus nos diz que devemos tirar a trave do nosso olho antes de julgar o próximo, o próprio Jesus falou que não veio para julgar e sim para salvar. João 12.47. Nosso propósito de vida aqui na terra é de Glorificar a Deus e servir, somos servos uns dos outros, Jesus também foi servo. Então, ao invés de Julgar, deveríamos oferecer ajuda, nos preocuparmos mais com o próximo.

    Ao ler o relato, só senti vontade de dar um abraço nessa mãe.

    Olá Patrícia! Que situação!!! Passou pelos meus pensamentos, um filme de longa metragem imaginando o tamanho da angústia dessa mãe… jamais vivenciei ou presenciei sequer algo parecido. Não é o “mesmo contexto” mas tem algumas frases de uma música chamada “Congênito” de autoria do cantor de MPB Luiz Melodia e penso que faz algum sentido com a narrativa desse post “Se a gente falasse menos/Talvez compreendesse mais (…) / Mas o tudo que se tem / Não representa nada (…)”. Então, naquele momento, não havia nada que representasse o que se passava com aquela mãe. Abraços

    Meu filho é autista, tem quatro anos. Patrícia, ao começar a ler seu post, fui me colocando no lugar dessa mãe, pois passei por muitas situações difíceis com ele sem saber o que era, e ainda passo. Acabamos de descobrir e ele está no início do tratamento. Às vezes, me sinto mal quando as pessoas me olham estranho quando, por exemplo, ele não quer ficar em uma fila, quando tem uma TV ligada na recepção…acredito que pensam que talvez ele seja mimado.
    Mas sigo firme, a única coisa que posso fazer é entender que algumas pessoas não entendem. Se não vou ficar com raiva do mundo e nem de casa vou sair( o que é impossível, mas às vezes é o que tenho vontade de fazer), porque sempre passo pelas mesmas situações com ele e não vou poder mudar o pensamento das pessoas. Posts como o seu ajudam muito 🙂 Bjos

    Excelente reflexão Patricia! Sou mãe de uma linda criança e vez ou outra passo por apuros com a pequena. A criança tem seu tempo de maturação suas fases de crescimento e aprendizado assim como nós, não é culpa da mãe e precisamos parar de procurar culpados e sim procurar entender e acolher sem julgar.

    Verdade, julgamos demais sem ao menos saber o porque! Que venhamos olhar para nós mesmos primeiros antes de achar que o mundo julga, se corrigirmos a nós mesmos será mais fácil!

    Incrível como ao iniciar a leitura já sabia o final… Só quem já passou por crises de uma criança autista sabe a dor, o sentimento de estar perdida e derrotada num momento como esse. Meu filho tem 8 anos, meu anjo azul, e foram muito episódios de choro incontrolável como o da história. O problema nunca esteve nele, mas na forma como conduziamos algumas situações que causavam a crise.

    Hoje depois de 5 anos de terapias episódios de crises são raros, ele é um menino carismático, inteligente, lê e escreve. Ama os animais.

    Mas ler esse relato faz as cicatrizes sangrarem pois realmente a falta de empatia, de alguém para ajudar e aqueles olhares julgadores nos marcam profundamente.

    Fico feliz em saber que sua amiga e o filho conseguiram o diagnóstico e puderam ter o apoio e o respeito merecido.

    Abraço e obrigado por trazer aqui fatos reaid como esse. O autismo é uma realidade crescente e precisa de mais empatia e apoio.

    Boa tarde…belo POST..

    Parabéns pelo post.
    Ótima reflexão.

    Que dor, que sofrimento. Só quem tem determinados problemas na própria casa, sabe o que é isso. Bjs.

    Não julgar, esse é um ensinamento que devemos estar atento a todo instante.

    Lindo texto…. Linda liçao de vida

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